quarta-feira, 1 de Agosto de 2007

Tolan... meu amigo de infância.

Em criança as idas a Lisboa eram sempre uma ocasião especial. A viagem era feita de comboio e dentro da cidade nos velhos autocarros da Carris. Ir a Lisboa era sinónimo, invariavelmente, de uma ida ao médico, ou visita a alguém. Por isso, chegava pelo Cais do Sodré e, quase sempre, o autocarro levava-me ao longo do Tejo até ao Terreiro do Paço, onde virava embrenhando-me na Baixa.

Ora, durante vários anos, nesse trecho do percurso, espreitava com ansiedade a aparição do Tolan, fiel amigo da navegação fluvial que ali permaneceu durante muito tempo. O Tolan é uma memória difusa, mas ainda assim forte.

Pesquisei na internet para avivar a minha memória e descobri que o barco era um porta-contentores Inglês que afundou-se a 16 de Fevereiro de 1980, após ter colidido com o cargueiro Sueco Baranduna no rio Tejo. Após várias tentativas, foi finalmente voltado e afastado do Terreiro do Paço a 2 de Dezembro de 1983. Serviu portanto de poiso às gaivotas e motivo para muitas visitas ao Tejo, durante cerca de anos. Peças do Tolan chegaram mais tarde a serem leiloadas. Aquele barco, conhecido como o "porta-aviões das gaivotas", tinha parte da quilha à tona, o fundo vermelho ao sol desbotava, enquanto o resto do aço desparecia nas profundezas do rio que banha Lisboa.

Ali se afundou, em condições e por causas que diziam ter sido estranhas. Ali permaneceu, alimentando histórias contadas à boca pequena, de que a sua carga continha armas para tráfico, ou de que no seu interior estariam cadáveres que não interessava descobrir.
Era um marco de Lisboa, quando a visitava, naquela década de 80. O Tolan, no Tejo, alimentando intrigas.
Era um risco para a navegação. Tarde, disseram os marinheiros, foi removido.
Tardou, mas o rio perdeu o seu afundado amigo, e as gaivotas perderam o seu poiso privilegiado, de onde contemplavam o tráfego dos cacilheiros e das gentes que diariamente alternavam entre as margens do Tejo.