Em criança as idas a Lisboa eram sempre uma
ocasião especial. A viagem era feita de comboio e dentro da cidade nos velhos
autocarros da Carris. Ir a Lisboa era sinónimo, invariavelmente, de uma ida ao
médico, ou visita a alguém. Por isso, chegava pelo Cais do Sodré e, quase
sempre, o autocarro levava-me ao longo do Tejo até ao Terreiro do Paço, onde
virava embrenhando-me na Baixa.
Ora, durante vários anos, nesse trecho do
percurso, espreitava com ansiedade a aparição do Tolan, fiel amigo da navegação
fluvial que ali permaneceu durante muito tempo. O Tolan é uma memória difusa,
mas ainda assim forte.
Pesquisei na internet para avivar a minha memória
e descobri que o barco era um porta-contentores Inglês que afundou-se a 16 de
Fevereiro de 1980, após ter colidido com o cargueiro Sueco Baranduna no rio
Tejo. Após várias tentativas, foi finalmente voltado e afastado do Terreiro do
Paço a 2 de Dezembro de 1983. Serviu portanto de poiso às gaivotas e motivo para
muitas visitas ao Tejo, durante cerca de anos. Peças do Tolan chegaram mais
tarde a serem leiloadas. Aquele barco, conhecido como o "porta-aviões das
gaivotas", tinha parte da quilha à tona, o fundo vermelho ao sol desbotava,
enquanto o resto do aço desparecia nas profundezas do rio que banha
Lisboa.
Ali se afundou, em condições e por causas que diziam ter sido
estranhas. Ali permaneceu, alimentando histórias contadas à boca pequena, de que
a sua carga continha armas para tráfico, ou de que no seu interior estariam
cadáveres que não interessava descobrir.
Era um marco de Lisboa, quando a
visitava, naquela década de 80. O Tolan, no Tejo, alimentando intrigas.
Era
um risco para a navegação. Tarde, disseram os marinheiros, foi
removido.
Tardou, mas o rio perdeu o seu afundado amigo, e as gaivotas
perderam o seu poiso privilegiado, de onde contemplavam o tráfego dos
cacilheiros e das gentes que diariamente alternavam entre as margens do
Tejo.